A história do rock brasileiro começa ainda na década de 1950, quando Nora Ney faz uma versão abrasileirada do clássico Rock Around the Clock, e Cauby Peixoto interpreta a primeira composição do gênero feita no país, Rock and Roll em Copacabana. O país começou a ter um movimento com uma identidade roqueira brasileira nos anos 1980. Assim, há 40 anos, eclodia um movimento apelidado simplesmente de Rock Brasil, também conhecido como BRock.

Em celebração a esse marco, o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) criou o festival Rock Brasil 40 Anos, que percorreu Rio de Janeiro, Belo Horizonte e São Paulo até chegar a Brasília, onde surgiriam algumas das primeiras e maiores bandas do movimento. O festival se encerra no CCBB Brasília, no dia 5 de junho, celebrando uma jornada que começou ainda nos anos 1970.

Como era o rock brasileiro antes de 1980?

Na virada da década de 1950 para 1960, o rock nacional se espelhava nos estilos do rockabilly e iê-iê-iê, consolidados nos EUA e na Inglaterra, tendo, respectivamente, Chuck Berry e The Beatles como maiores referências. Assim nascia a Jovem Guarda, movimento pop que revelou Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Renato e Seus Blue Caps e toda uma geração de artistas que se tornariam ídolos multimidiáticos com canções sobre amor, festa, liberdade e aventuras juvenis.

Ao final de 1960, com a Tropicália, o rock brasileiro abraça a estética modernista da antropofagia e recria um estilo com elementos mais nacionais. Então Os Mutantes se tornam a maior referência do gênero, seguidos por Raul Seixas (que abandona a Jovem Guarda) e bandas com um som mais próximo do rock progressivo, como O Terço, Som Imaginário, Casa das Máquinas e Guilherme Arantes com o Moto Perpétuo.

De que forma nasceu o movimento Rock Brasil?

Segundo Phillippe Seabra, líder da banda Plebe Rude, apesar do sucesso de Rita Lee e Raul Seixas, o rock dos anos 1970 enfraquecia no mainstream nacional. “Era tudo muito obscuro. Daí, o punk ligado ao underground abriu caminho para o rock de Brasília”, aponta.

Em 1978, na ainda incipiente vida cultural de Brasília, alguns jovens filhos de diplomatas, acadêmicos, políticos e servidores públicos começaram a formar a chamada Turma da Colina (referência ao conjunto de prédios residenciais dos funcionários da UnB, onde se reuniam). Dali nasce o primeiro filho dessa geração brasiliense roqueira: o Aborto Elétrico.

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

A banda durou menos de quatro anos sem nenhum registro fonográfico oficial. Mas foi o suficiente para movimentar a cena. “Fazíamos músicas mais atemporais, de contestação, mas com eloquência. Uma erudição punk”, brinca Seabra. “Brasília não virou o alicerce fundamental do rock brasileiro à toa. A gente tinha a idade exata da revolução pós-punk. Nossa internet eram os malotes diplomáticos. E a gente conseguiu receber discos, fitas e livros até antes de São Paulo”, justifica.

Philippe Seabra, vocalista da Plebe Rude, em apresentação do Rock Brasil 40 anos no Rio de Janeiro (Reprodução: Instagram/@pleberude)

E foi assim, largando à frente com discos do The Clash debaixo dos braços, que as primeiras bandas do Rock Brasil explodiram comercialmente em âmbito nacional. Com a separação dos seus integrantes, o Aborto Elétrico gerou duas das maiores bandas do movimento. Renato Russo fundou a Legião Urbana. Os irmãos Fê e Flávio Lemos, o Capital Inicial. Junto a eles, vinham, a reboque, a Plebe Rude e Os Paralamas do Sucesso que, apesar de carioca, tinha estreita relação com Brasília, pois foi onde o guitarrista Herbert Vianna conheceu o baixista Bi Ribeiro.

“Foi um movimento muito espontâneo que terminou por se constituir num fenômeno musical”, conta o cineasta Vladimir Carvalho, diretor do documentário Rock Brasília – Era de Ouro (2011), sobre o período de formação dessa geração artística da capital. “Eles alcançaram uma projeção que nenhum gênero musical ligado à capital da República alcançou e marcaram de forma extraordinária o rock do Brasil”, constata.

Vladimir Carvalho, diretor do documentário “Rock Brasília – Era do Ouro” (Reprodução: YouTube/TV Brasil)

Por que Brasília se tornou a capital do rock?

De acordo com o produtor cultural e criador do festival Ferrock, Ari de Barros, antes mesmo de Renato Russo e a Turma da Colina, Brasília já tinha uma vocação para o rock’n’roll. “No final dos anos 60 e início dos 70, já tínhamos bandas importantes para a nossa história, como Matuskela, Elson 7, Os Infernais e Raulino. Não era o rock dessa tradição dos anos 80 ainda, mas começou ali. Foi o start definitivo para ser chamado Brasília capital do rock”, ressalta.

Depois desses grupos, que variavam desde bandas de baile com estilo Jovem Guarda ao rock psicodélico, começaram a surgir também bandas mais autorais, das quais a pioneira, antes mesmo de Aborto Elétrico, foi a Mel da Terra. Formada em 1979, foi a primeira reverberar fora de Brasília. “Eles saíram na frente e deram um pontapé muito importante. Participaram de programas, como o do Chacrinha”, recorda Ari.

Mel da Terra estourou em Brasília antes da famosa série de shows intitulada Concerto Cabeças, que revelou desde os próprios talentos do Rock Brasil a outros nomes, como Cássia Eller e Oswaldo Montenegro.

A repercussão alcançada pelos primeiros discos de Legião, Paralamas, Capital e Plebe, em meados dos anos 1980, durante as Diretas Já, permitiu um lugar de destaque a Brasília. A capital era um dos centros irradiadores de uma geração responsável pela construção de uma identidade do Rock Brasil. Em outras cidades, expoentes, como Barão Vermelho, Camisa de Vênus, Ira!, RPM e Titãs, também deixavam a cena pulsante.

O que veio depois do Rock Brasil?

Poucas bandas de Brasília repetiriam o mesmo êxito comercial de Legião Urbana, mas isso também não quer dizer que o movimento do rock na capital enfraqueceu. Enquanto saíam os primeiros álbuns no contexto do processo de redemocratização do Brasil, o ano de 1985 era marcado por um dos momentos mais prolíficos da cena roqueira da cidade, que culminou no lançamento do disco coletivo Rumores.

Marco histórico do espírito roqueiro brasiliense underground, o álbum reuniu as bandas Escola de Escândalos, Finis Africae, Elite Sofisticada e Detrito Federal, fazendo ecoar o típico som de Brasília.

Uma década depois, nos anos 1990, com as bandas fundadoras do Rock Brasil já consagradas, a capital federal passa a revelar novos talentos do rock, com linguagens diferentes e beneficiados pela era dos videoclipes. Foi o caso de Raimundos, Little Quail and The Mad Birds, Maskavo e Os Cabeloduro.

Mesmo os anos 2000, as revelações brasilienses continuavam a aparecer, ainda que de modo mais tímido e com estilos de rock mais alternativos, caso do Móveis Coloniais de Acaju. No entanto, embora o cenário seja muito diverso daquele dos anos 1980, a força do bom e velho rock brasileiro continua a arrastar plateias Brasil afora.

Festival no CCBB

O festival Rock Brasil 40 Anos, que vem ocorrendo desde 10 de maio e vai até 5 de junho no CCBB, em Brasília, conta com grandes shows das bandas mais icônicas do rock nacional dos anos 1980 e uma extensa programação cultural. Os shows do palco principal acontecem sempre aos sábados e domingos, na área aberta do centro cultural, ao ar livre. 

Em paralelo aos shows principais, o festival ainda traz uma extensa programação cultural para o CCBB Brasília. O público pode conferir palestras sobre a história do rock; e uma mostra de cinema com títulos de sucesso que falam da história de ídolos do rock brasileiro, como Cazuza – O Tempo não Para (2004), Blitz, O Filme (2019), Barão Vermelho – Por Que a Gente é Assim? (2007), entre outros. O festival também apresenta espetáculos musicais consagrados para o Teatro do CCBB Brasília, como Cássia Eller – O Musical; Renato Russo – O Musical; Cabeça – Um Documentário Cênico; e Cazas de Cazuza – O Musical.

Foto: Felipe Perlingeiro
Foto: Felipe Perlingeiro

Rock Brasil 40 Anos também exibe uma exposição de fotografia e outra de artes plásticas. A mostra fotográfica do festival contém uma seleção de cerca de 60 fotos de artistas e personalidades que representam o rock brasileiro, clicadas ao longo das últimas décadas por Cristina Granato, um dos maiores nomes do fotojornalismo brasileiro. Além disso, a Galeria 4 do CCBB Brasília recebe, ao longo do festival, obras de Luiz Stein e Zé Carratu, artistas plásticos que surgiram junto com o rock brasileiro dos anos 1980.

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