“Os velhos morrerão!”, berrava, destemido, o poeta Mário de Andrade para o público que o vaiava durante seu discurso na Semana de Arte Moderna de 1922.
A fala do escritor e a reação do público resumem bem o significado do evento que mudou para sempre o panorama das artes brasileiras: o novo pedia, forçava, passagem, mesmo que a plateia não estivesse pronta para tamanha revolução.
Mas vamos entender melhor o que aconteceu até a célebre fala. E, claro, as repercussões do famoso evento.
Marco do início do movimento modernista no Brasil, a Semana de 22, como também é conhecida, aconteceu no Theatro Municipal de São Paulo, entre 11 e 18 de fevereiro de 1922, e reuniu artistas de diversas áreas.
Inspiradas no cenário de renovação da arte ocidental e na vanguarda europeia, as obras apresentadas visavam a inserir novas tendências de arte no panorama brasileiro.
Dessa maneira, conferências, recitais de poesia e apresentações musicais alternavam-se com exposições de arquitetura, escultura e pintura.
O evento trouxe definitivamente a arte moderna para a realidade cultural brasileira. E sua influência é sentida até hoje na criação artística nacional.
Como foi a Semana de Arte Moderna de 1922?
A semana foi articulada e organizada pelo escritor Mário de Andrade, o também escritor Oswald de Andrade e o artista plástico Di Cavalcanti. Os eventos foram realizados no célebre e belo Theatro Municipal de São Paulo.
No saguão, foi instalada uma exposição de escultura e pintura. As obras de artistas como Victor Brecheret, Di Cavalcanti e Anita Malfatti chocaram o público brasileiro, nada acostumado às novas estéticas e formas de representação que o modernismo propunha.
Aliás, ao longo do evento, era comum ouvir burburinhos e vaias dos visitantes pelos corredores e salões do teatro.
A Semana de Arte Moderna também teve espetáculos de dança, música, conferências e leitura de poesias. O intelectual e escritor Graça Aranha abriu o festival, no dia 13, com a palestra “A emoção estética da arte moderna”, recitando versos de Ronald de Carvalho e Guilherme de Almeida, seguido de canções executadas pelo maestro Ernani Braga.
O auge aconteceu em 15 de fevereiro, quando o modernismo literário causou indignação e confusão no público, sobretudo a palestra de Mário de Andrade, “A escrava que não é Isaura”, que defendia o abrasileiramento da língua portuguesa, e a conferência do poeta Paulo Menotti del Picchia, sobre estética moderna.
Durante seu conturbado discurso, Mário precisou berrar para ser ouvido em meio à gritaria. Por isso, decidiu ler seu manifesto na escadaria interna do teatro. Destemido, o poeta urrava para o público a famosa frase que ficou para a posteridade: “os velhos morrerão!”.
Vinte anos mais tarde, o autor relembrou o episódio na obra “O Movimento do Theatro”, dizendo: “como pude fazer uma conferência sobre artes plásticas, na escadaria do Theatro, cercado de anônimos que me caçoavam e ofendiam a valer?”.
O evento de encerramento foi focado em música, com a execução de três peças de Heitor Villa-Lobos. Em mais um fato que entrou para a história da conturbada semana, o maestro e compositor subiu ao palco calçando um sapato em um pé e um chinelo no outro. Como era de se esperar, foi vaiado.
O público considerou a atitude desrespeitosa. No entanto, Villa-Lobos depois justificou-se, esclarecendo que se apresentou dessa forma porque estava com um calo no pé.
De toda maneira, o fato faz parte da grande lista de choques, questionamentos e incômodos causados durante a semana por aqueles artistas jovens e revolucionários.
A oposição de Monteiro Lobato
Em dezembro de 1917, quase cinco anos antes da Semana de Arte Moderna, o escritor Monteiro Lobato publicou, no jornal O Estado de S. Paulo, um artigo intitulado “Paranoia ou mistificação?”, no qual criticava a estética modernista.
No texto, Lobato classificou a arte segundo seu próprio entendimento, fazendo menção a dois tipos de artistas: “os que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem arte pura” e os que “veem anormalmente a natureza, e interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes”. O autor incluiu a pintora Anita Malfatti no segundo tipo e, a partir daí, iniciou-se o conflito.
Seu entendimento sobre arte era tão distante do Modernismo que a palavra “paranoia”, utilizada no título, veio da ideia de que a nova arte seria mais adequada em manicômios, pois, de acordo com ele, só poderia ter sido gerada de uma lógica psicótica.
Dois meses após os eventos de fevereiro de 1922, Mário de Andrade rebateu e provocou Lobato no prefácio de seu novo livro, “A escrava que não era Isaura”: “passadista é o que faz o papel de carro de boi numa estrada de asfalto. […] O passadista procura na obra de arte a natureza e, como não a encontra, conclui: paranoia ou mistificação”. Com isso, Mário definiu a posição de Monteiro Lobato como diametralmente oposta ao Modernismo: a de um passadista.
O conservadorismo em momentos de ruptura estética
A falta de receptividade do público na Semana de Arte Moderna de 1922 não foi inesperada e surpreendente. Na verdade, a reação negativa era comum e até mesmo esperada, sobretudo ao avaliar o contexto histórico da arte em momentos de ruptura estética.
Um exemplo emblemático é a primeira exposição pública impressionista, realizada em 1874, na França. Desconcertado diante do novo estilo de pintura, o público teve uma impressão de rudeza e de esboços sem formas, ridicularizando as obras.
O nome do movimento que ali surgia, Impressionismo, vem, aliás, de um quadro de Claude Monet. Ao escrever sobre a mostra, o crítico Louis Leroy usou o termo “impressionistas”, com referência à pintura “Impression, soleil levant” (Impressão, nascer do sol).
A exposição teve ainda a presença de pintores que hoje figuram entre os mais importantes da história, como Renoir, Degas e Cézanne, cujas obras estão expostas em museus por todo o mundo.
E o Impressionismo, como se sabe, é um dos mais apreciados estilos de pintura. Tudo graças a artistas que, inconformados com as regras vigentes, decidiram subvertê-las.
Principais características da Semana de 22
O objetivo dos artistas que participaram da Semana de Arte Moderna era revolucionar a arte brasileira.
Para isso, os participantes não hesitaram em escandalizar o público, que ainda estava apegado aos tradicionais padrões europeus e preso ao conservadorismo da arte.
Nesse sentido, podemos dizer que as principais características do evento foram
- Experiências estéticas;
- Liberdade de expressão;
- Fim de composições formais;
- Abordagem do dia a dia brasileiro;
- Abandono dos padrões da Academia;
- Crítica ao movimento literário parnasiano, então em voga;
- Valorização do nacionalismo por meio de temáticas nacionais;
- Uso de linguagem coloquial e vulgar para se aproximar da falada;
- Inspiração em vanguardas europeias (dadaísmo, expressionismo, futurismo, surrealismo, cubismo etc.).
Repercussão e herança
Como toda mudança, especialmente quando inserida em um cenário extremamente conservador, o Modernismo não foi aclamado pela crítica, que na época apoiava o parnasianismo (escola literária que defendia o retorno aos ideais clássicos).
Dessa forma, a Semana de Arte Moderna não teve grande repercussão. Ela mal chamou a atenção dos jornais, que dedicaram apenas pequenas colunas de suas páginas ao evento.
No entanto, com o passar do tempo, alcançou uma imensurável importância histórica.
Em uma conferência realizada em 1942, em comemoração aos 20 anos da semana, Mário de Andrade declarou que “o Modernismo, no Brasil, foi uma ruptura, foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta contra o que era a inteligência nacional”.
Seus efeitos foram percebidos no decorrer de toda a década de 1920 e romperam a década de 1930, influenciando toda a literatura brasileira ao longo do século XX. Aliás, grande parte do que é feito hoje no País também nas artes plásticas e na música está, de certa forma, relacionada ao Modernismo.
CCBB: Brasilidade Pós-Modernismo
Em comemoração aos 100 anos da Semana de Arte Moderna, o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) abriu a mostra Brasilidade Pós-Modernismo, com obras de 51 artistas.
Após passagem pelo Rio de Janeiro, a exposição chegou a São Paulo no dia 15 de dezembro e ficará aberta à visitação até 7 de março de 2022.
A curadoria foi feita pela historiadora de arte Tereza de Arruda. Entre os artistas contemporâneos que terão suas obras expostas estão Ernesto Neto, Anna Bella Geiger, Adriana Varejão, Cildo Meireles e Arnaldo Antunes.
“Esta exposição não é idealizada com o olhar histórico, mas sim focada na atualidade, com obras produzidas a partir de meados da década de 1960 até o dia de hoje, sendo algumas inéditas, ou seja, já com um distanciamento histórico dos primórdios da modernidade brasileira”, explica Tereza.
Serão apresentadas pinturas, esculturas, desenhos, novas mídias, fotografias e instalações, distribuídas em seis núcleos, intitulados Liberdade, Futuro, Identidade, Natureza, Estética e Poesia.
No primeiro núcleo, Liberdade, a mostra reflete sobre as indagações e confusões do colonialismo brasileiro, entre 1530 e 1822.
Já no segundo, Futuro, o foco é Brasília, reunindo desenhos e gravuras de grandes arquitetos, como Oscar Niemeyer, Lina Bo Bardi e Lúcio Costa.
Mas tem muito mais para ver! Aproveite a oportunidade e agende a sua visita à exposição Brasilidade Pós-Modernismo, no CCBB São Paulo.
E se quiser saber mais sobre o Centro Cultural do Banco do Brasil, acesse nosso conteúdo CCBB – legado e inovação.
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