Sair do zero e pensar em novos negócios para solucionar problemas que afetam as pessoas é uma das características mais fascinantes do empreendedorismo.
Isso ganha ainda mais relevância quando essas demandas nascem de grupos sociais específicos, que enfrentam algum nível de invisibilidade para parte do mercado.
É exatamente nesse contexto que o afroempreendedorismo marca a sua presença, pensando a economia étnica como uma importante estratégia de resistência.
Embora o afroempreendedorismo pareça um fenômeno recente, a história mostra que as origens desse movimento estão enraizadas no passado e conectadas à liberdade, autonomia e ao fato de ser protagonista de sua própria história.
Ele nasce da necessidade de pessoas negras escravizadas, ou em situação de recente liberdade, precisarem trabalhar para comprar as suas alforrias, sobreviver em grande medida e, assim, formarem-se sujeitos, saindo do papel que lhes fora dado, o de objeto.
O que é afroempreendedorismo?
No dicionário, o termo empreendedorismo significa disposição ou capacidade de idealizar e realizar projetos, serviços e negócios. De maneira geral, é a pessoa que tem a iniciativa de começar algo novo.
Já a palavra afroempreendedorismo – ação empreendedora idealizada por pessoas negras – não está no dicionário. Mas o conceito ganha importância sociológica, pois permite compreender os desafios gerais e específicos enfrentados por cada um desses desbravadores.
Embora o afroempreendedorismo não busque atender somente o mercado afro – já que não há restrição em relação aos consumidores e clientes –, o movimento tem como algumas de suas características mais expressivas o fortalecimento da identidade, a preocupação com as lacunas de mercado e a atenção à circulação de dinheiro entre pessoas negras.
Esse mercado pode ser dividido em três perfis distintos. O primeiro é movido, principalmente, pela falta de oportunidades para pessoas negras no mercado de trabalho. É ser empreendedor por necessidade.
Já o próximo perfil do afroempreendedorismo é aquele que surge pela familiaridade do empreendedor com a atividade do negócio e/ou vontade de ser autônomo, seja por vocação, seja por falta de oportunidades.
Por fim, há o perfil engajador e idealizador, aquele que vê no afroempreendedorismo a oportunidade de abrir portas para outras pessoas negras. O empreendedor com essa característica prioriza uma rede de parceiros formada também por indivíduos negros.
O afroempreendedorismo hoje
Novos tempos, novos formatos, mas o foco em princípios como valorização da diversidade e protagonismo permanece inalterado como motor do afroempreendedorismo hoje.
Isso fica claro em produtos específicos para pessoas negras, pensados por empreendedores negros. Dois bons exemplos são as toucas de natação e os chapéus de formatura criados pela marca Da Minha Cor para abrigar cabelos crespos e volumosos. Algo aparentemente simples, que traz um conforto grande para pessoas com cabelos crespos e cacheados, mas que um mercado com pouca diversidade falhou em enxergar como um problema a ser resolvido para um grande grupo de pessoas.
Essa busca por soluções que facilitam a vida de outras pessoas negras se torna, portanto, a materialização do “nós por nós”, lema que há décadas acompanha o povo negro que, em um processo histórico de marginalização, só pôde contar consigo mesmo.
O afroempreendedorismo caminha lado a lado com o Black Money, conceito que surgiu nos Estados Unidos para categorizar um movimento econômico centralizado na produção e consumo de pessoas negras, para fortalecer a circulação de dinheiro entre esse público em específico.
No Brasil, empreendedores negros estão longe de ser uma minoria em números. Dados de pesquisa do Instituto Brasileiro da Qualidade e Produtividade (IBQP), Sebrae e Global Entrepreneurship Monitor (GEM), de 2019, contam que a taxa total de empreendedores (TTE) no Brasil, entre pretos ou pardos, é maior do que a de brancos.
São 39% de empreendedores totais; 23,1% de empreendedores iniciais; 15,7% de novos empreendedores; 8,1% de nascentes; e 16,5% de empreendedores estabelecidos pardos ou pretos. Já os números equivalentes entre empreendedores brancos são 37,8%, 23,6%, 16,1%, 7,9% e 15,2%, respectivamente.
Além do racismo estrutural e institucionalizado, o afroempreendedorismo enfrenta diversos desafios, como o menor acesso ao crédito. Mas a criatividade e a capacidade começam a apresentar resultados.
Já é possível observar diversas iniciativas de afroempreendedorismo que vêm ganhando destaque e impulsionando o sucesso de empresários negros e negras ao redor do país.
O afroempreendedorismo na economia brasileira
Negócios liderados por pessoas negras movimentam cerca de R$ 1,73 trilhão anualmente na economia brasileira. É o que mostra a pesquisa Afroempreendedorismo Brasil, parceria da RD Station, Inventivos com o Movimento Black Money (MBM).
O levantamento contou com 1.016 entrevistados, e toda a sua concepção (desde criação até análise dos dados) foi feita, majoritariamente, por pessoas negras.
Esse estudo revelou que 61,5% das pessoas à frente de negócios de afroempreendedorismo são mulheres. Desse número, quase a metade (49%) é responsável pelo sustento das suas famílias.
De acordo com Nina Silva, CEO do Movimento Black Money: “Quando olhamos para essas mulheres, responsáveis pela renda principal da família, vemos que elas estão ligadas, principalmente, à indústria de cuidados, comunicação e alimento, refletindo, assim, a nossa herança ancestral de cuidados coletivos e a nossa herança escravocrata, de estar a serviço dos outros”, explica.
Em um recorte do afroempreendedorismo feminino e masculino, as principais áreas de atuação, segundo o estudo, são:
● Saúde e estética
● E-commerce
● Varejo
● Marketing e publicidade
● Consultoria e treinamentos
● Ensino e educação
● Alimentação
● Mídia e comunicação
● Financeiro, jurídico e serviços relacionados
● Eventos
O perfil do afroempreendedor também é majoritariamente jovem. Segundo a pesquisa, quase 70% dos respondentes têm de 25 a 44 anos. Em relação ao grau de escolaridade, 61,9% contam com ensino superior completo ou mais.
No entanto, mesmo com o alto nível de estudo, somente 15,8% dos afroempreendedores conseguem atingir renda acima de seis salários mínimos. O maior obstáculo é parear a escolaridade com a renda.
Infelizmente, o estudo não garante lugar de oportunidade socioeconômica quando se fala da população negra do país. De acordo com dados do IBGE, em 2012, a renda mensal média de pessoas brancas foi 57,3% maior que a de negras.
Em 2019, o cenário foi quase o mesmo. Mensalmente, a população branca recebe cerca de 56,6% a mais que a negra. A dificuldade que pessoas negras encontram para alcançar rendas mais elevadas, mesmo quando têm alto nível de escolaridade, surge, portanto, como uma importante motivação para o afroempreendedorismo.
Iniciativas negras que vêm fazendo história
Mesmo com as adversidades e os obstáculos que os empreendedores negros precisam superar, algumas iniciativas estão fazendo a diferença. Não apenas para os donos de negócio como também para toda a comunidade afro.
Conheça alguns dos principais projetos brasileiros de afroempreendedorismo que estão ganhando destaque e aumentando a visibilidade e o crescimento do movimento:
- Diáspora Black
Diáspora.Black é uma rede de acomodações compartilhadas que tem o intuito de conectar viajantes e anfitriões interessados na cultura negra, além de promover encontros e experiências de viagens centradas na memória da diáspora africana.
O modelo de negócio pode ser até parecido com o Airbnb. No entanto, o objetivo do Diáspora Black vai muito além do que apenas disponibilizar acomodações.
Criada por Carlos Humberto, André Ribeiro e Antonio Luz, a plataforma foi fundada, em 2016, com três objetivos principais: propagar a cultura negra, conectar pessoas interessadas por essas manifestações culturais e fortalecer as comunidades afrobrasileiras financeiramente e por meio da descoberta de identidade.
- Alfabantu
Idealizado por Odara Dèlé, professora da rede estadual de São Paulo, o Alfabantu é um aplicativo que visa ensinar a língua bantu, falada pelo povo Kimbundu, de Angola.
Destinado ao público infantil, o app auxilia crianças utilizando jogos digitais e contação de histórias sobre os povos africanos.
O aplicativo é gratuito e está disponível para usuários de Android e iPhone. O trabalho feito por Odara é mais um passo a fim de solidificar a conexão entre Brasil e África.
- Movimento Black Money
Nina Silva é a CEO do Movimento Black Money (MBM), um hub de inovação para inserção e autonomia da comunidade negra na era digital, com startups e projetos sociais voltados ao afroempreendedorismo.
De acordo com Nina, a máxima do Black Money é girar e gerar riqueza por mais tempo, dentro da comunidade negra, com o intuito de criar empregabilidade e possibilidade de negócios.
- Feira Preta
Criado por Adriana Barbosa, a Feira Preta é o maior evento de afroempreendedorismo da América do Sul. Teve início, em 2002, como uma iniciativa sem grandes pretensões e hoje é um encontro de negócios e apresentação das tendências afrocontemporâneas do mercado e das artes.
Feira Preta conta com a venda dos mais diversos tipos de produtos e busca valorizar o pensamento e as expressões artísticas apresentando painéis nacionais e internacionais, além de shows.
Segundo Adriana, é preciso conhecer a história da população negra no Brasil para compreender as soluções e dificuldades enfrentadas por esses empreendedores nos dias atuais.
- PretaHub
Fundado também por Adriana Barbosa, este hub de inovação é voltado para a criatividade, a inventividade e as tendências pretas. O PretaHub é o resultado de 18 anos de atividades do Instituto Feira Preta no trabalho de mapeamento, capacitações técnica e criativa, aceleradora e incubadora do afroempreendedorismo no Brasil.
Um dos intuitos é pensar a relação com a cultura, a economia e o empreendedorismo negro a partir de um olhar honesto e propositivo, o qual entende os seus papéis na mudança estrutural de uma sociedade e de um mercado que precisa absorver essa população.
Ficou interessado nesse tema? Então você também pode curtir este outro conteúdo aqui no Blog BB: O que é afrofuturismo e como impacta a cultura contemporânea
E se você é afroempreendedor, entenda como o BB pode ajudar você com crédito.
Contribuiu neste texto a jornalista Gabriela de Almeida Pereira. Tem especialização em Gestão de Políticas Públicas em Gênero e Raça pela Universidade de Brasília (UnB) e atualmente é mestranda em Direitos Humanos e Cidadania pela UnB, onde pesquisa desinformação, racismo e tecnologia.
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